A imagem do político brasileiro diante da opinião pública, de fato, nunca foi boa. Em qualquer pesquisa que avaliasse a confiança média da população em seus homens públicos, mesmo em muitas décadas passadas, a nota seria vermelha ou bem perto disso.
Essa relação de desconfiança do povo com seus homens poderosos ficou mais evidente a partir de 2013. Nas chamadas “jornadas de junho” daquele ano, que começaram com protestos de jovens em São Paulo ligados ao Movimento Passe Livre, por questões de transporte público e avançou para manifestações gigantescas que culminaram com milhares de populares cercando o Congresso Nacional e até subindo em sua parte superior, a insatisfação ficou muito mais nítida.
A política passou a ser verdadeiramente tida como a origem dos males da Nação. E se agravaria nos anos seguintes. É preciso explicar: é que, naquele momento, ainda não havia sido idealizada a Operação Lava Jato, que, a partir do ano seguinte, levaria dezenas de políticos para a cadeia e daria à população um certo sabor de vingança.
Foi dessa forma que o então juiz Sergio Moro e os procuradores envolvidos com a operação se tornaram, na visão de boa parte dos brasileiros, uma espécie de “liga da justiça”. Eram os heróis que desafiavam a corrupção e colocavam os bandidos na cadeia. Vale a pena voltar a ressaltar aqui: muitos dos que ia parar atrás das grandes eram políticos e grandes empresários, gente da elite do poder e das finanças do País.
A imagem do político brasileiro estava na sarjeta, como nunca antes havia acontecido. E começava um levante silencioso – literalmente, nem tão silencioso assim, já que era composto por quem gritava na rua contra “tudo o que estava aí” – com um tema que ficava cada vez mais claro: era preciso tirar quem estava no poder.
O PT foi a bola da vez, embora não fosse a única. Por uma série de fatores históricos e culturais, talvez essa onda antipolítica não fosse tão grande se houvesse outro partido, de linha ideológica diferente, no comando da Nação. Mas a mensagem valia para todos: a população não queria mais saber de político profissional, daquele que faz conchavos infinitos para se manter no poder e se reelege há tantos mandatos que já não se podem contar nos dedos de uma mão.
Na Câmara dos Deputados, no Senado e nas Assembleias, proliferaram figuras que nunca haviam pisado um plenário como representantes do povo
E foi a senha para que o Brasil, insatisfeito com sua classe política, a partir dali elegesse vários considerados outsiders. Na Câmara dos Deputados, no Senado e nas Assembleias, proliferaram figuras que nunca haviam pisado um plenário como representantes do povo: artistas, médicos, youtubers, líderes de manifestações, jornalistas e muita gente da área da segurança pública.
Foi uma renovação atípica que atingiu também o Executivo: foram eleitos para governar Estados importantíssimos da Nação o empresário Romeu Zema (Novo), em Minas Gerais, e o ex-juiz Wilson Witzel (PSC), no Rio de Janeiro. O primeiro está tentando a reeleição e tem boas chances de sucesso; já Witzel foi alvo de um processo de impeachment, acusado de corrupção. Seria uma amostra pequena demais para dizer que a chance de um “não profissional” dar certo ou fracassar na política é a mesma.
Por outro lado, há um número muito maior de Estados que elegeram, para seu comando, políticos convencionais, experientes, daqueles que enfileiram uma sequência de mandatos legislativos e executivos. É o caso de Goiás, com Ronaldo Caiado (União Brasil). O governador está como ator político desde o início da redemocratização, quando era líder do setor agropecuário e presidia a União Democrática Ruralista (UDR), entidade que defendeu os interesses dos produtores durante a Assembleia Nacional Constituinte. Em 1989, começou sua carreira como político efetivamente, como candidato à Presidência pelo PSD em sua versão extinta.
A partir do ano seguinte, Caiado estaria comprometido como congressista foi eleito deputado federal em 1990, o que se repetiria em 1998, 2002, 2006 e 2010 – em 1994 concorreu ao governo de Goiás, com vitória de Maguito Vilela (PMDB) nas eleições. Já em 2014, ele obteve êxito na disputa pela única vaga disponível para o Senado. Foi nessa condição que, quatro anos depois, ele chegou à cadeira do Palácio das Esmeraldas para seu primeiro mandato no Poder Executivo.
Ainda que haja quem não concorde com suas posições políticas e ideológicas, ninguém nega que Ronaldo Caiado tenha seus princípios, coerência em sua atuação e seriedade no trato com a coisa pública. Da mesma forma, ainda que tenha um diploma de médico na parede, ninguém pode negar que ele seja um político profissional na acepção da palavra, testado e aprovados para tão diversos cargos.
Pode-se dizer que Caiado é um dos “sobreviventes” da onda antipolítica. A mesma onda que, ironicamente, elegeu pelo motivo de “mudar tudo o que está aí” o atual presidente. Mesmo sendo Jair Bolsonaro (PL) um político ainda mais veterano, em cargos, que o próprio governador de Goiás: depois de ir para a reserva como capitão do Exército, ele se elegeu vereador pelo Rio em 1988 e, a partir de 1990, emendou sete mandatos de deputado federal. Por conta de sua atuação heterodoxa no Parlamento, conseguiu criar e manter uma imagem de político contestador do sistema.
Com um pouco de reflexão, soaria estranho dizer que o Brasil elegeu, em 2018, uma pessoa para ocupar o principal posto da República justamente por não ser profissional no ofício a que se dedicou durante metade de sua vida. Bolsonaro se orgulha da aura de “outsider” e, por incrível que pareça, esse lugar é exaltado por gente que quer ocupar a vaga para o próximo mandato.
É o caso, por exemplo, do empresário e coach motivacional Pablo Marçal, que é candidato à Presidência para “mudar o cenário”, como ele disse em entrevista a este jornal, na semana passada. Também diz ser esta a única vez em que concorrerá a um cargo. Uma das ideias que externou na sabatina com os repórteres foi a de, desde o primeiro dia de governo, começar a treinar “pelo menos cem pessoas” para ser o próximo presidente.
É nítido que quer levar para a política seus princípios da vida profissional que tem até o momento, com seus eventos para milhares de pessoas e suas empresas bem-sucedidas. Mas governar um País é bastante diferente de gerir CNPJs, essa é a questão. O Brasil precisa de pessoas que doem seu tempo e suas capacidades para assumir a gestão entendendo o que é a máquina do Estado para aperfeiçoá-la, conforme, aí sim, a linha político-econômica e ideológica de seu grupo. Mas não dá para transformar o Estado em empresa, muito menos encará-lo como uma.
Nas próximas eleições, o desafio do eleitorado será escolher políticos aptos, que se sintam profissionais para lidar com a coisa pública, não importa se tenham mandato ou não. Ser profissional da política deve ser orgulho e não peso – até porque há mais profissionais bons do que ruins em qualquer ocupação. Até porque, de amadorismo e boas intenções, a rua das frustrações está cheia.