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Amy Webb (Foto: Divulgação)
Não é possível prever o futuro.” É dessa maneira que a norte-americana Amy Webb tenta desarmar aqueles que se apegam ao sentido literal da palavra “futurista”, demandando respostas precisas para suas inquietações. “Mas é possível prever futuros”, afirma.
À frente do Future Today Institute, fundado em 2006, a principal função da futurista é construir cenários múltiplos, que mostram as possibilidades do que está por vir. “Trabalho com dados e modelos quantitativos, nas áreas de ciência, tecnologia, negócios e inovação”, diz. “Faço pesquisas profundas: busco sinais de mudança em milhões de dados, interpreto esses sinais e avalio tendências que podem gerar transformações no longo prazo.”
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A autora de livros como The Signals are Talking (“Os sinais estão falando”, inédito no Brasil) e Os Nove Titãs da IA (Alta Books) auxilia CEOs de grandes empresas, diretores de instituições financeiras e agências governamentais a se prepararem para futuros complexos.
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Seus talentos também são apreciados por empresários de Hollywood: fã ardorosa de ficção científica, já colaborou para roteiros de filmes como The First, sobre os primeiros seres humanos a viajarem para Marte, e Data, a Love Story, sobre algoritmos e encontros online. Professora do MBA de Previsão Estratégica da Universidade de Nova York, é ainda uma das mais requisitadas palestrantes da atualidade – recentemente, foi uma das convidadas do evento Futurecom Digital Week.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista que Amy Webb concedeu a Época NEGÓCIOS.
Época NEGÓCIOS Qual a sua visão sobre o metaverso e sua possível influência sobre o futuro do trabalho?
Amy Webb Daqui a dez anos, vamos olhar para o metaverso da mesma maneira que olhamos hoje para a internet. Ninguém fala mais sobre a internet, ela apenas está lá. Hoje, quando falamos em metaverso, estamos nos referindo a diferentes tecnologias que simulam ou recriam experiências do mundo real de maneira imersiva, com a adição de novos elementos. Há um leque de ferramentas envolvidas. Além da alta conectividade, são necessárias tecnologias como realidade aumentada, realidade virtual e realidade reduzida – quando você retira coisas do ambiente real para simular uma situação. Por enquanto, sua principal aplicação são os jogos. Mas acredito que, em algum momento, o metaverso chegará também ao mundo dos negócios.
NEGÓCIOS Qual será a real importância do metaverso para os negócios?
Amy Será uma revolução de longo prazo. Honestamente, acho que, se a pandemia não tivesse acontecido, demoraria mais ainda. A crise sanitária forçou muitas companhias a inovarem mais rápido, abraçando o home office e as videoconferências, por exemplo. Então isso abriu espaço para o metaverso chegar antes do que esperávamos. Mesmo assim, pode levar algum tempo até que os negócios comecem a enxergar sua utilidade. O que eu digo para os empresários é: não importa qual seja o seu setor de atuação, comece já a monitorar os sinais de mudança. Fique de olho para saber quando terá de começar a tomar decisões.
NEGÓCIOS Quando você diz que será uma revolução de longo prazo, de quanto tempo estamos falando?
Amy A resposta honesta para isso é: “Eu não sei”. É a mesma coisa que acontece com a inteligência artificial. Empresários, cientistas, governantes e trabalhadores me perguntam: “Mas quando finalmente a inteligência vai tomar conta de tudo? Quando os robôs vão tirar todos os nossos empregos antes de nos assassinarem enquanto dormimos?” (risos). E eu respondo a mesma coisa: não há como saber, porque há movimentos todos os dias. Investimentos, descobertas em pesquisas de base, mudanças de regulação… É por isso que eu digo: o importante não é o quando. O importante é sua companhia estar preparada, seja lá quando aconteça. Preste atenção no que está ocorrendo e faça perguntas estratégicas. Esse desenvolvimento deixa minha empresa vulnerável? Quando essa tecnologia começa a afetar a minha área de atuação?
NEGÓCIOS Empresas como Facebook e Microsoft já estão investindo pesado no metaverso. Acredita que em breve parte dessa tecnologia será adotada pelas empresas?
Amy Não, porque o metaverso ainda não existe. Veja bem, o Facebook lançou recentemente um par de óculos inteligentes que criou em parceria com a Essilor e a Ray-Ban. No lançamento, disseram que o equipamento permitiria interagir com colegas de trabalho como se fosse o ambiente do escritório. E que isso seria o início do metaverso. Bom, para começar, isso não é uma grande invenção. O Facebook está simplesmente tentando aprimorar algumas coisas que já existem. E se você olhar, historicamente as pessoas não querem trabalhar nesse tipo de ambiente, onde todos se parecem com personagens de desenho animado. Porque é muito difícil levar a sério uma reunião com alguém que parece saído de um filme da Disney. Já imaginou ter uma conversa difícil com seu chefe quando ele lembra um avatar de videogame? Não vejo isso acontecendo. Espero que não aconteça.
Agora, existe um metaverso em construção. Há companhias criando seres digitais que se parecem com um humano de verdade, e são capazes de interagir com as pessoas, aprendendo com seus dados em tempo real. Essa invenção pode ser muito útil para um vídeo onboarding, ou para vídeos de treinamento, por exemplo, ensinando de maneira mais efetiva. É uma grande oportunidade para os departamentos de Recursos Humanos. E aí já estamos chegando mais perto do que pode ser o metaverso. Também teremos reuniões virtuais com versões holográficas dos colegas. E isso vai ser preferível ao Zoom, porque poderemos enxergar melhor as expressões faciais das pessoas, entender sua linguagem corporal. Mas, seja como for, acho que reuniões e eventos presenciais vão voltar depois da pandemia, porque as pessoas gostam de estar próximas umas das outras.
NEGÓCIOS Acredita que os movimentos na direção do trabalho híbrido vão se tornar permanentes?
Amy Todo mundo quer saber se o futuro do trabalho é remoto, em casa, ou algo híbrido. Eu acredito que vai depender da cultura da companhia. Na minha empresa, o trabalho sempre foi híbrido. Temos um escritório em Nova York, mas todos os funcionários de outras localidades trabalham em casa. Isso funciona para a nossa cultura. Ainda assim, percebo que o modelo traz dificuldades. Se eu quiser encontrar o meu time, tenho de marcar uma reunião. Não posso simplesmente entrar na sala do colega e dizer: “Tive uma ideia maluca, o que você acha?”. Então, acho que isso compromete a criatividade. Na minha opinião, seria bom para todas as empresas encontrar uma maneira de recapturar essa serendipidade que você tem quando tropeça com as pessoas no corredor.
NEGÓCIOS Que tipo de configurações você imagina para o futuro próximo?
Amy Antes da pandemia, a expectativa era que todos nós trabalhássemos presencialmente em horários específicos, das 9h às 17h, de segunda a sexta. Há uma razão para isso: se todos os negócios ficam abertos ao mesmo tempo, isso torna a comunicação entre empresas mais fácil. Mas o modelo não é necessariamente bom para os funcionários. Há semanas em que chego a trabalhar cem horas, por causa do volume de tarefas. Em outras, são só dez horas. Outra questão é a subjetividade do trabalho. Há pessoas que são incrivelmente produtivas em casa, porque conseguem se concentrar mais. Para outras, ficar sozinho com seu notebook é extremamente desmotivador. Então, para mim, o grande problema, que já existia antes da pandemia, é que não temos flexibilidade na nossa estrutura de trabalho. Antes de escolher entre trabalho presencial, híbrido ou home office, seria melhor pensar em flexibilidade. Como podemos ser mais flexíveis em nossa atitude com os colaboradores? Podemos tornar nossas empresas mais focadas em pessoas? Acredito que é possível fazer isso e ainda ter um negócio muito lucrativo. Mas é preciso usar a inteligência. Espero que uma das lições da pandemia seja acabar com a ideia de que o mesmo modelo serve para todos. Se as empresas puderem ser mais flexíveis na maneira como lidam com seus funcionários, vão ter muito mais sucesso. Mas isso dá trabalho.
NEGÓCIOS Se a decisão for pela flexibilidade total, como evitar que algumas pessoas sejam beneficiadas, enquanto outras saem no prejuízo?
Amy Esse é um dos desafios: como fazer com que as novas regras empresariais sejam justas e igualitárias. O outro é tentar prever as consequências de novas jornadas de trabalho para a sociedade. Vamos dizer que todas as empresas de São Paulo decidam adotar o trabalho presencial de segunda a quarta, por exemplo. Que efeito isso terá no trânsito da cidade? E para os negócios de alimentação, que dependem desses clientes? A flexibilidade reduz a previsibilidade para os negócios e para a comunidade. E isso pode ser um problema no futuro.
NEGÓCIOS Voltando ao que você disse antes, “quando os robôs vão tirar todos os nossos empregos antes de nos assassinarem enquanto dormimos?”
Amy Falo sobre isso no meu livro Os Nove Titãs da IA. Acho que muita gente ainda não percebeu que a IA já está presente em todos os momentos do dia. Se você usa um smartphone ou assiste a um canal de streaming, já está usando IA. Ela alimenta a nuvem, as telecomunicações, ajuda a automatizar processos e facilita a vida de maneira geral. Então a tecnologia está aqui há muito tempo. Só não deu as caras do jeito que nós esperávamos. Mas, sim, haverá um momento em que a inteligência artificial irá substituir muitos empregos, é inevitável. As grandes revoluções tecnológicas sempre fazem isso. Depois dessa transição, outros empregos aparecem. Eu acho que o problema é que nós somos a geração da transição. E é realmente difícil lidar com essa ideia. Eu gostaria que os governos começassem a pensar agora no que será necessário fazer para gerenciar uma força de trabalho na qual muita gente irá ficar desempregada por causa da IA. Todos os governos deveriam estar fazendo isso. Mas é claro que isso não está acontecendo.