É ocioso esperar que Jair Bolsonaro mude seu comportamento desajuizado diante da maior tragédia sanitária que já se abateu sobre o País. Ele haveria de ser outra pessoa, um presidente cioso de seu papel de liderança e, principalmente, um ser humano mais solidário e menos egoísta. Não é uma coisa nem outra. Até o fim de seu mandato, os brasileiros terão de lidar com o fato de que são governados por um doidivanas que dorme e acorda pensando em como tirar proveito eleitoral das aflições nacionais. Aos demais Poderes, aos governos subnacionais e aos cidadãos resta agir para mitigar danos.
Há poucos dias, Bolsonaro vociferou contra a recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que o governo adotasse medidas contra a disseminação da variante Ômicron no País. A Anvisa sugeriu que o Brasil exigisse comprovante de vacinação de todos os viajantes que chegam ao País e suspendesse temporariamente os voos com destino ao Brasil que tenham origem ou passagem por seis países do continente africano. São medidas muito razoáveis, tendo em vista as incertezas quanto aos riscos da nova cepa do Sars-Cov-2.
Mas não para Bolsonaro. O presidente as enxerga como ataques à “liberdade”. Bolsonaro chegou a dizer que “prefere morrer a perder a liberdade”. A bravata foi repetida por Marcelo Queiroga, que há muito deixou de agir como ministro da Saúde para se portar como candidato a algum cargo eletivo, ainda não se sabe qual.
No dia 8 passado, o governo publicou a Portaria Interministerial n.º 661, que acata apenas parcialmente as recomendações da Anvisa. A suspensão temporária dos voos provenientes daquele grupo de seis países africanos foi mantida. Em relação ao chamado “passaporte da vacina”, basicamente, os viajantes que chegam do exterior que tenham o certificado de vacinação contra a covid-19 devem apresentá-lo. Mas, caso não tenham, poderão entrar no País mesmo assim, desde que se comprometam a ficar em quarentena por apenas cinco dias.
Uma quarentena de cinco dias não serve para nada, a não ser dar ao governo o pretexto de dizer que está fazendo alguma coisa para resguardar a saúde dos brasileiros. Do ponto de vista sanitário, especialistas afirmam que a quarentena ideal é de 14 dias. Além disso, a Portaria n.º 661/2021 não detalha como será fiscalizado o cumprimento da medida, tampouco como será feita a conferência do exame RT-PCR, que deverá ser realizado pelos viajantes após o término da quarentena. Ou seja, improvisou-se uma norma para dar a Bolsonaro o discurso de que seu governo está trabalhando para evitar a disseminação da Ômicron, ao mesmo tempo que preserva, na essência, a irresponsabilidade e os caprichos do presidente.
O governador João Doria (PSDB) anunciou que exigirá o “passaporte da vacina” para entrada de viajantes em São Paulo. Há dúvida se o governo do Estado pode impor a restrição sanitária. De qualquer forma, isso retrata bem o contraste entre a seriedade de São Paulo no enfrentamento da pandemia e a inconsequência mortal do governo federal.